Que as viúvas vivam felizes

Escrito por
Alexandre Henrique Santos
Publicado em
31/5/2021
“Os homens temem que as mulheres se riam deles.
As mulheres temem que os homens as assassinem!”
Margaret Atwood

… Hoje já não me surpreende e nem parece injusto que as mulheres sobrevivam aos homens; e por algo será que não é tão incomum encontrar viúvas felizes…

Quando constatei que mulheres vivem mais do que homens achei uma tremenda injustiça. Lembro-me então de buscar dados que pudessem relacionar e contrapor, se possível explicar, a longevidade das meninas em comparação com a vida mais breve dos marmanjos. Os anos foram passando e eu no meio da controvérsia. Depois de investigar conceitos e preconceitos, prós e contras, argumentos leigos e científicos, cheguei à conclusão plasmada no famoso aforismo de Nietzsche – o que não nos mata, nos fortalece. Ao largo do tempo, através de um processo de socio-domesticação brutal e contínuo, Natureza & Sociedade forjaram, ironicamente, a tenaz resistência das mulheres. Simone de Beauvoir resumiu bem a saga ao afirmar que “a gente não nasce mulher; a gente se faz mulher!

Todos conhecemos casos de homens idosos e de mulheres que morreram cedo. Porém, tomando na ponta do lápis o grosso da humanidade, e mantidas as variáveis de temperatura e pressão, as Marias tendem a ser mais duradouras do que os Josés. Às vezes, quando essa profecia falha, buscamos explicar o desvio em uma série de causas já sabidas; e entre elas está o feminicídio.

A incidência de crimes de gênero no Brasil é tão antiga quanto atual e urgente. No ranking mundial da violência contra a mulher nosso país ostenta o supra vergonhoso quinto lugar. Uma breve consulta no Google nos oferece dados que corroboram esse tenebroso cenário. Não fosse o bastante, no último ano, com a pandemia do Covid-19 e a necessária profilaxia social do confinamento, os feminicídios cresceram 22%. São números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020).

O ainda mais chocante, entretanto, é a confirmação do velho e conhecido horror: na ampla maioria dos casos, o criminoso é alguém vinculado à vítima – marido, ex-marido, companheiro, ex-companheiro, familiar ou amigo. Não raro o perigo mora dentro de casa e dorme na mesma cama.

O risco oposto existe também, e é demasiado humano. Mas não é comum nem frequente que a mulher mate seu marido, companheiro ou amante. Para cada Flordelis que tomamos conhecimento – a pastora evangélica carioca acusada pelo Ministério Público de tramar o assassinato do marido (30 tiros!) – há centenas, talvez milhares, de anônimos feminicidas.

A mulher mais longeva que conheci foi minha querida amiga e mestra Marta Romero, que ao nos deixar, em 2016, caminhava lúcida para cumprir 106 anos. Após completar 90, a pedagoga argentina lia com a ajuda de uma poderosa lupa; e até os 101 participou ativamente do grupo de estudos de filosofia. Já o saudoso Rubio, seu marido, juiz de direito, faleceu em 1984, aos 78 anos. Conheci de perto a família; e se dependesse do amor e da vontade, garanto que Rubio teria permanecido mais tempo por aqui, ladeando sua eterna amada. Os dois formavam um belíssimo exemplo de casal.

Minha tia Abília também foi longeva, mas com uma história diferente. Quase tudo despertava nela sorrisos; era simples, alegre, divertida. Embora sua vida fosse cheia de dificuldades e atropelos. A lenda familiar contava os nomes dos seus maridos nos dedos, um a um, até chegar no quinto. E olha que num tema delicado como este, a família costuma fazer uma contabilidade discreta, modesta mesmo. Quiçá a vizinhança contasse número maior. Quanto a mim, conheci apenas Osvaldo, o que finalizou a lista, quer tenha sido ele realmente o quinto ou o décimo-segundo. O fato é que tia Abília nunca teve filhos, mas compareceu ao velório de (com perdão pelo cacófato) uma mão de maridos. Você não leu errado. Minha tia enviuvou cinco vezes! E morreu aos 90 anos, lamentando não ter tido a chance de casar-se de novo…

Eu sou homem e gosto de sê-lo. Gosto de ser a pessoa que sou com minha companheira; e agradeço ao Universo por isso. Mas quando reparo na dimensão da generosidade feminil, na paciência da gestação, na dolorosa liturgia do parto, na doação da lactância, na responsabilidade da prole, na atenção ao par, no diuturno labor doméstico, na luta por espaço no mercado de trabalho, nos cuidados com familiares idosos etc., ato contínuo relembro as frases de Nietzsche e de Beauvoir.

Hoje já não me surpreende e nem parece injusto que as mulheres sobrevivam aos homens; e por algo será que não é tão incomum encontrar viúvas felizes.

Alexandre Henrique Santos

Meu nome é Alexandre e me dedico profissionalmente ao coaching de vida e aos temas comunicação e empatia. Minha missão é facilitar processos de desenvolvimento pessoal e interpessoal. Sou apaixonado pelo que faço; e após quase 4 décadas de prática aprendi a fazer bem.

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