O chefe foi jogar golfe. E agora, o que Jair faz?
Aqui, ao contrário, o inquilino do Alvorada segue sendo o mesmo: o capitão pelado; pois já não há vestimenta, ardil, biombo ou o que seja, que nos impeça de ver o absoluto despreparo do sr. Jair Messias Bolsonaro para o cargo que ocupa. O capitão apostou errado; o chefe foi jogar golfe e o esquema não deu certo.
Viva – embora esteja morto! – o político que disse: “Podemos enganar a todos um certo tempo; enganar a alguns o tempo todo; mas é impossível enganar a todos o tempo inteiro!” Assim, nosso destino inescapável chama-se transparência; uns e outros, em ritmos variados, vamos nos desnudando aos olhos da vizinhança, da mídia e da história. Cedo ou tarde a gente termina mostrando quem é. Portanto, não há de causar nenhum espanto a vertiginosa rapidez com que caem os últimos álibis e disfarces do presidente Jair Messias Bolsonaro. O rei está nu!
A manchete de hoje (22/01/2021) da edição Brasil do jornal espanhol El País escancara a conclusão a que chegou a análise – conduzida pela parceria entre a Faculdade de Saúde Pública da USP e a Conecta Direitos Humanos (uma das mais respeitadas organizações latino-americanas) – de 3049 normas federais produzidas no ano passado: “Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.
Há uma série de elementos que – num exercício de reflexão – tendem a endossar a conclusão da análise citada. As evidências, fartas e múltiplas, podem ser reagrupadas em ordem de importância segundo os critérios de cada cidadão. A meu ver, o projeto autoritário do presidente Bolsonaro nunca esteve encoberto, mas sobretudo no seu primeiro ano de governo foi arrogantemente explícito; a ponto do seu primogênito afirmar publicamente que já não se questionava se haveria um golpe militar; mas, sim, quando ele seria desferido!
Minha hipótese é a de que o capitão fez quatro grandes apostas que poderiam respaldar sua intenção autocrática: 1ª) a radicalização do antipetismo – movimento que foi beneficiado pelo absoluto silêncio do próprio PT e dos seus líderes sobre os casos de corrupção flagrados no coração do partido; leia-se, nenhuma manifestação pública de autocrítica e nem a expulsão dos corruptos; 2ª) a cooptação de militares de alta patente (através dos cargos e soldos-extra dos salários federais, do aumento da fatia do orçamento da União destinada às forças armadas e do discurso ufanista); 3ª) a política neoliberal do ministro Guedes, desenhada sob medida para atender os interesses do grande capital; e, por fim, mas não menos importante, 4ª) a vinculação serviçal ao governo Trump – o modelo dos sonhos do capitão, dos seus filhos e aliados.
Nem o advento da pandemia da Covid-19 alterou a rigidez desse esquema – palavra talvez mais adequada aos personagens do que estratégia. Ao contrário, a rigidez foi mais uma vez a moeda corrente. E embora as três primeiras apostas já apresentassem variados sinais de desgaste ou inadequação – como a anulação de parte dos processos contra Lula, a ruptura de alguns respeitados generais estrelados e os furos no Titanic do ministro da economia –, a crise sanitária pareceu ao capitão uma bênção dos céus…
Enquanto a pandemia foi se mostrando algo bem mais grave e amplo do que uma “gripezinha”, o capitão se empenhou em uma cruzada pessoal de desinformação e negacionismo. Aparentemente era o quanto pior, melhor! As investigações das portarias, resoluções, instruções normativas, medidas provisórias, leis e decretos do Governo federal, bem como das manifestações públicas do presidente, pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, “desenham o mapa que fez do Brasil um dos países mais afetados pela covid-19 e, ao contrário de outras nações do mundo, ainda sem uma campanha de vacinação com cronograma confiável.”
Pelo menos uma variável fundamental chama atenção nesse cenário de verdadeiro genocídio e que aumentou de modo dramático a fragilidade política do presidente: a derrota de Donald Trump nas eleições norte-americanas. O capitão não contava com essa! Com a pandemia levando o Brasil a um perigoso e completo caos e a crescente expressão da insatisfação popular, o presidente poderia reivindicar a urgente necessidade de medidas draconianas – ou seja, decretar o estado de defesa; vide uma última e infeliz fala do Procurador Geral da República Augusto Aras –, é mais que provável que teria o absoluto aval do chefe Trump. Excelente oportunidade de calar todas as forças progressistas com o devido respaldo constitucional. Tudo isso, claro, em nome da democracia, dos bons costumes e da liberdade do povo brasileiro.
A última esperança de Bolsonaro deve agora, na sua mansão da Flórida, passar noites sem dormir, ter ataques de fúria doméstica e tomar muitos comprimidos para poder lidar com o ego humilhado. E ouso arriscar que o clima no Planalto deve estar muito parecido. A principal diferença, a meu ver, talvez seja que os EUA têm agora um chefe mais sensato e equilibrado que seu antecessor; e o país busca superar as profundas rachaduras ocasionadas pelo terremoto da estúpida polaridade política acirrada pelo trumpismo. Aqui, ao contrário, o inquilino do Alvorada segue sendo o mesmo: o capitão pelado; pois já não há vestimenta, ardil, biombo ou o que seja, que nos impeça de ver o absoluto despreparo do sr. Jair Messias Bolsonaro para o cargo que ocupa. O capitão apostou errado; o chefe foi jogar golfe e o esquema não deu certo…
Alexandre Henrique Santos
Meu nome é Alexandre e me dedico profissionalmente ao coaching de vida e aos temas comunicação e empatia. Minha missão é facilitar processos de desenvolvimento pessoal e interpessoal. Sou apaixonado pelo que faço; e após quase 4 décadas de prática aprendi a fazer bem.
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Pior do que um vírus
A comparação é estúpida, reconheço; mas quiçá, a esta altura do genocídio e da CPI do Covid-19, não haja outra melhor. A cifra de cerca de meio milhão de mortos parece responder ao plano que foi posto em prática de modo escancarado, a céu aberto: a tal da imunidade de rebanho. E os que não se opuseram a esse desastre nacional anunciado – nos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Militar – são cúmplices, por ação ou por omissão. Perdemos para o negacionismo, para a negligência na compra de vacinas e a ausência de uma política sanitária nacional – única, coerente, efetiva e rápida. A questão vai muito além da perda irreparável de cidadãs e cidadãos brasileiros, velhos e jovens. Estamos assistindo à tentativa de diluir os fundamentos da nossa democracia e do Estado de Direito.